Chico: Fiquei sabendo hoje que deixaste teu velho corpo. E como estou surpreso por isto. Não, não me surpreendeu o fato de teres deixado este mundo pois sabia o quanto teu corpo estava cansado e frágil. Surpreendi-me com o modo como isso se deu. É que sempre imaginei que este dia estava sendo preparado como um evento especial. Achava que teus amigos aí desse lado da vida usariam tua "morte" a fim de chamarem a atenção para a tua vida. Imaginei que no dia seguinte ao teu desenlace as pessoas chegariam ao trabalho falando de ti. Estava enganado. Partiste justamente hoje. A televisão noticiou teu falecimento em 15 segundos. Em seguida, voltou a mostrar a repercussão da conquista do penta campeonato brasileiro. Amanhã as pessoas chegarão ao trabalho falando, não de ti, mas do futebol brasileiro. Deixaste a existência no mundo pelo elevador de serviço, sem alarde, discretamente. E, confesso, isto me fez finalmente compreender. É claro que já havia entendido teoricamente o fato de Jesus ter optado nascer numa estrebaria e conviver com pescadores e prostitutas mesmo podendo ter nascido, se quisesse, entre os poderosos. Claro que já havia entendido teoricamente o objetivo daquele outro Francisco ao renunciar toda a sofisticação da sua abastada vida em Assis para mostrar aos cristãos o quanto eles estavam distantes da verdadeira mensagem do Cristo. Claro que já havia entendido. Só não havia ainda compreendido. E, mais do que tua vida, tua "morte" isto me proporcionou. É que tudo isto é simples demais para se compreender assim com facilidade. O que é simples é, mesmo, o mais difícil. E por ser difícil é que muitos, sem compreender, tentarão "te fazer justiça". Gritarão aos quatro ventos o quanto foste sublime. Tentarão compensar esta discreta notícia de tua "morte" com discursos e textos inflamados, exaltando a tua angelitude. Estão enganados. Não, não és nenhum anjo, eu sei. Foste apenas gente. És apenas simples. Simples como aquele menino Jesus que ensinou Fernando Pessoa a ver "todas as coisas que há nas flores". Nós não, Chico. Nós temos sido muito mais que isso. Somos inteligentes e destemidos, sábios e humildes, moralizados e caridosos, sofisticados e filosóficos, científicos e religiosos. Ah!, Chico, qual foi a Fada que te transformou em gente? Intercede a nosso favor perante ela. Não suportamos mais ser tão bons em tudo. Precisamos, com urgência, sermos como tu: gente. Simplesmente gente. |